O “anel de sinete” e a aristocracia bufa!, 2[“carta” aberta ao
Francisco]
Caro
Francisco,
Não iludas e, sobretudo, não reduzas a tão nobres e desinteressadas intenções a utilização do “sinete”. Eu sei que essa do “não desagradar quem mo ofereceu” é corrente. Mas não creio que muitas dessas mesmas pessoas – preconceituoso, por preconceituoso, vou levar a coisa até ao fim – tenham lá em casa, em cima do aparador do IKEA, o galo de Barcelos que a tia lhe trouxe quando foi ao norte, ou que usem aquela camisola inacreditável que a avó lhe deu nos anos. Mas isso é irrelevante. Quando te peço para não iludires e não reduzires a tão nobres e desinteressadas intenções a utilização do “sinete” é porque sei que sabes – eu pelo menos sei, porque já vi – que a utilização do tal “sinete” é, na larga maioria dos casos, a utilização de um signo de distinção. Uma forma que o seu portador tem de se destacar do resto “do seu povo”. Uma distinção que é, tantas vezes, incentivada pelos familiares que lhos oferecem e que, por via deles, ascendem, ou aspiram a ascender, socialmente. Quando dizia que compreendia sociologicamente o fenómeno, queria dizer que isto é normal. Mas quando dizia que o fazia com comiseração, queria dizer que o lamento. E sabes porque é que o lamento? Eu sei que sabes, porque tu, com toda a certeza, também o lamentas. Lamento-o porque não gosto de ver “nharros” – para utilizar a tua expressão – a exigirem, num exercício de sobranceria inadmissível, o tratamento de “doutor” a torto e a direito. Lamento-o porque não gosto de ver pessoas a admitirem essa sobranceria. Lamento-o porque o valor das pessoas não está nem na família de origem, nem na licenciatura que têm e, portanto, todos os mecanismos para fazer valer uma destas me revolvem as tripas. E, de resto, se bem notaste, o que lamentava era sobretudo o facto da Universidade não ser capaz de deitar por terra essa coisa do sentimento de “ascensão ao Olimpo” pelo mero e trivial facto de se concluir uma licenciatura.
Não é, portanto, o “sinete” académico ou aristocrático em si. É o que subjaz, na maioria dos casos, à sua utilização. Porque quanto a gostos, cada um tem os que tem!
Valente abraço,
pgs
PS - Bem sei, bem sei... O nosso almoço. mas a vida não tem sido nada fácil!