quarta-feira, março 08, 2006

Por falar em Ruralidade, 5 [Ecos dos Açores]

A minha amiga SC, a partir do Atlântico, reagiu à discussão sobre a ruralidade, cá vai o seu primeiro contributo:

Fica apenas uma impressão do teu primeiro post lido na transversal: depois daquela nossa conversa de urbanos em espaço rural, parece-me que estás a romantizar...que há muito mais qualidade de vida (enquanto preservação física, até), há, claro, mas quanto ao resto da temática...falta muito, falta o "supérfluo" J e falta a entourage social que nos faz inovar e ter vontade de fazer coisas, de criar com outros (claro que a criação é antes de mais um processo solitário...enfim...não vamos por aí). Mais. Faltam coisas de que nos alimentemos. E criá-las sozinho (ou recriá-las) não é fácil. Mas adiante.

Entretanto, o meu meio actual é interessante. Sendo cidade, não o é. É uma cidade que ainda não deixou totalmente de ser aldeia. É uma espécie de limbo. Falta-lhe a dinâmica urbana, que a própria cidade gera, sobra-lhe uma verdadeira inadaptação dos modos de vida ao novo espaço construído. Talvez por isso, às seis e meia da tarde estas ruas sejam um deserto.

2 Comments:

At 4:11 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Abstendo-me de falar em ruralidade e urbanidade vou tentar contribuir para a discussão.

Parece-me claro que as assimetrias que se verificam na ocupação do território continental português, que ditam uma clara dicotomia litoral, interior, resultam duma total inexistência de teoria e prática de ordenamento do território desde há séculos. A capacidade de previsão e de resposta a intensos fenómenos de migração territorial como os ocorridos nos anos 60 (crescimento brutal das cinturas suburbunas de Lisboa e Porto), sem política e sem instrumentos ordenamento, não existiu pura e simplesmente.

Como resultado disto colocamo-nos perante territórios sobrepovoados, em que se assiste à evidência de um continuum urbano desde o centro da cidade referência até às antigas periferias urbanas, hoje parte integrante dessa mancha desordenada cujo crescimento obedeceu quase exclusivamente às regras dos especuladores e construtores civis. Caixas e caixas de betão que se sucedem ao longo de vias de referência (nos casos mais antigos, a ferrovia, e nos mais recentes, a rodovia), em que se acumulavam os trabalhadores da indústria e onde hoje pontificam os funcionários dos serviços, cujos traços de identidade cultural tardam em assumir definição.

São territórios que não param de crescer, quer em população, quer como palco da exclusão. Quanto aos outros territórios, os do interior, remeto para mais daqui a pouco a continuação do comentário.

 
At 6:37 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Os territórios do interior, cada vez mais esvaziados de pessoas e de capital, e muito associados à actividade agrícola, são, hoje em dia, caracterizados por uma dominante importância dos serviços, semelhante ao litoral, quer no emprego, quer na geração de rendimentos, por uma cosntante concentração poulacional em torno das sedes de distrito e, num segundo plano, das sedes de concelho e, tal como no resto do país, por um envelhecimento profundo. E medidas que são as diferenças a norte e sul do tejo, ou entre regiões do interior e regiões periurbanas, estas são de facto as tendências dominantes fora das grandes regiões urbanas.

Qual é o principal e decisivo problema? Na minha modesta opinião, trata-se de um problema de desquilibrio, que prejudica todos, os que vivem na Damaia e os que vivem na Aldeia dos Elvas.
A ausência de oportunidades, da instensa fragilidade das oportunidades que existem, a inexistência de tempo útil e activo para a realização de uma vida completa, quer porque se tem tempo a mais mas não se tem recursos, quer por se ter tempo a menos, com recursos.

A inversão deste estado de coisas não passa por negar o desequilibrio, começa sim por assumir que este existe e por combater as raízes concretas dos seus principais males. Promover actratividades para o investimento e para a iniciativa onde elas não existem e promover qualidade de vida, conforto, segurança onde estas carecem.

Será que é preferível ser desmpregado, saltar de trabalho precário num hipermecado para outro, viver num bairro sem referências, sem segurança, gastar 2 horas por dia em transportes, cruzando-nos com pessoas que não conhecemos, vivendo perto de Lisboa?

Ou será melhor, viver desempregado, sem expectativas e sem oportunidades de emprego, numa aldeia do Baixo Alentejo, sem mobilidade, cruzando-nos com as mesmas pessoas e enfrentando o passar dos dias, devagar, devagar...?

 

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