Sábado Era um Sábado madrugador. Sábado retemperador.
- Foda-se! Assaltaram-nos o carro... – gritei ao avistar a porta entreaberta e os fios cortados e descarnados no local onde devia estar o rádio.
Sábado a começar entornado... Sábado estragado.
Corri ao lado, ao largo dos Loios, apresentar queixa ao quartel da GNR. O sargento de dia sorriu ao afirmar que não era a primeira e não seria a última vítima. Pareceu-me adivinhar-lhe no sorriso e no olhar o prazer da confirmação do mundo.
Sábado dele, de zombaria. Sábado meu, de porcaria.
- Oh, homem... Hoje é Sábado de Feira da Ladra!
Corri.
Desci a Santa Luzia, segui por São Tomé e acabei em Santa Clara.
Sábado suado. Sábado já cansado.
Perscrutei a maralha – de lanternas, àquela hora, já apagadas...
Topei o meu rádio! Antigo. Manhoso. Analógico.
Sábado irado. Sábado a ficar excitado.
O artista era um lugar comum. Magricela. De olhar cavado e braço picado.
Mas o olhar mostrava uma vida pelo corpo escondida.
Gente à volta remexia-lhe a quinquilharia. Muita.
Pensei em confrontá-lo. Avancei.
Sábado de ousadia. Sábado de valentia.
- Oh, amigo... quanto é que vale esse rádio antigo?
- Olhe que este rádio é antigo, mas é dos bons!
- Muito bem! Quanto vale?
- Uns 10 euros...
- Olhe... e se eu lhe provar que o rádio é meu? Que me foi roubado...
Palpitou por um instante. Um segundo. Um segundo antes de retomar a vida escondida.
Os olhares à volta oscilavam entre a curiosidade assumida e centrada e a dissimulada e enviesada. Mas olhavam.
- É seu?! Prove lá isso...
Sábado intenso. Sábado denso.
- O ponteiro desse rádio não mexe. Rode o botão da frequência e notará que o ponteiro não mexe.
Rodou. Não mexeu. Parou e atirou:
- Muito bem... uma vez que era seu... faço-lhe metade do preço!!!
Sábado desconcertante. Sábado hilariante.